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SBOC REVIEW

Papel da classificação molecular na determinação prognóstica do carcinoma adrenocortical

Resumo do artigo:
O grupo francês de estudos de tumores adrenais publicou em junho de 2019 um estudo de avaliação prognóstica em carcinomas adrenocorticais. O trabalho teve como objetivo comparar aspectos genéticos e moleculares do tumor (expressão gênica, de perfil mutacional, do padrão de metilação de DNA e de alterações cromossômicas tumorais) com fatores prognósticos clínicos e anatomo-patológicos já utilizados na prática clínica. Adicionalmente, devido a limitação prática para o uso de análises genéticas integradas, os autores utilizaram dois painéis genômicos simplificados (denominados painel 3-D e painel DNA) como ferramenta útil de avaliação prognostica.

O estudo utilizou um coorte de treinamento, com 144 pacientes do banco de dados da Rede Europeia de Estudos de Tumores Adrenais (ENSAT) e do The Cancer Genomic Atlas study (TCGA), e uma coorte de validação de 224 pacientes com mediana de idade de 51 (+- 16) anos, seguimento mediano de 35 meses (variação interquartil, 18-74 meses), acompanhados entre março de 2005 e setembro de 2015 em 21 centros europeus. Os critérios clínico-patológicos utilizados foram estadiamento clínico, produção de cortisol e taxa de proliferação tumoral (medidas por contagem de mitoses ou índice de proliferação por expressão de Ki67).

A análise inicial do grupo de treinamento confirmou o papel prognóstico dos três grupos previamente descritos pelos critérios genômicos amplos, com sobrevida global em 5 anos de 9% no grupo de mau prognóstico, 45% no grupo intermediário e 82% no grupo de bom prognóstico (log-rank P< .001). Na avaliação dos painéis genômicos simplificados, o painel 3-D demonstrou melhor distinção entre os grupos que o painel DNA para sobrevida livre de doença (SLD), com HR 55.91 (95% CI 8.55-365.4; P< .001) para grupo de mau versus bom prognóstico. A combinação do estadiamento clínico, a taxa de proliferação tumoral e o painel simplificado 3-D se revelou o melhor modelo de determinação prognóstica nessa população (C index, 0.88).

No estudo do grupo de validação, os dois painéis simplificados se confirmaram como fator prognóstico para sobrevida livre de doença em análise univariada. Utilizando o painel 3-D, a mediana para SLD foi 14 meses, 29 meses e não-alcançado para o grupo de mau, intermediário e bom prognóstico, respectivamente (log-rank, P< .001). Após análise multivariada, o painel simplificado 3-D se manteve como fator independente de prognóstico entre os grupos, com HR para recorrência de 3.43 (95% CI, 1.22-9.67; P= .02) para o grupo intermediário e 5.96 (95% CI, 1.81-19.58; P= .003) para grupo de pior prognóstico. Novamente, a combinação de estadiamento clínico, taxa de proliferação tumoral e painel simplificado 3-D foi confirmada como melhor modelo de discriminação prognóstica (C index, 0.77) nessa população. O modelo simplificado 3-D não mostrou capacidade de distinguir grupos prognósticos em pacientes com doença metastática.

 

Value of molecular classification for prognostic assessment of adrenocortical carcinoma
Assié G, Jouinot A, Fassnacht M, et al. Value of Molecular Classification for Prognostic Assessment of Adrenocortical Carcinoma. JAMA Oncol. Published online July 11, 2019. doi:10.1001/jamaoncol.2019.1558
Papel da classificação molecular na determinação prognóstica do carcinoma adrenocortical

 

Comentários do editor:
- Tumores da glândula suprarrenal são relativamente comuns, sendo na sua grande maioria localizados no córtex da glândula, de comportamento benigno, e diagnosticados de forma incidental durante exames de imagem. Já tumores malignos primários da suprarrenal são raros. Destes, o carcinoma originário do córtex da suprarrenal (CCA) é sua forma mais comum, com incidência estimada em 0,7 a 2,0 casos por milhão/ano. Devido a baixa incidência e heterogeneidade de comportamento, o tratamento dos pacientes com CCA se mantém um desafio. A ressecção completa do tumor ainda é o único tratamento curativo comprovado. Infelizmente, a maior parte dos pacientes com doença restrita a glândula apresenta recorrência após tratamento cirúrgico isolado. Na tentativa de melhorar esses resultados, a terapia adjuvante com a droga adrenolítica mitotano é recomendada para a maior parte dos casos. Entretanto, a terapia com mitotano é tóxica, de longa duração, e baseada em estudos retrospectivos com menor nível de evidência.

- Estudos realizados em diferentes populações caracterizaram as vias moleculares mais importantes na tumorigênese adrenocortical, como a inativação da via do gene supressor tumoral TP53, a ativação da via do IGF2 e da via da Beta-Catenina. Diversos estudos tem aplicado painéis genômicos distintos na tentativa de melhor definir o prognóstico tanto pós terapia curativa como no tratamento paliativo. Entretanto, o número limitado de casos tem impedido a realização de validações prospectivas desses painéis.

- No estudo atual, Assié e colaboradores avaliaram retrospectivamente duas coortes de pacientes com carcinoma do córtex suprarrenal na tentativa de validar um painel genômico amplo na definição de prognóstico. Adicionalmente, avaliaram dois painéis simplificados que reproduzissem o painel original e fossem passíveis de serem utilizados na prática clínica. Ficou demonstrado a boa correlação dos painéis simplificados com o painel original. Utilizando o painel simplificado denominado 3-D foi possível a distinção de três grupos bem distintos em termos de sobrevida livre de recorrência. Essa distinção fica ainda mais interessante quando analisado conjuntamente com o estádio clínico (I-III) e com a taxa de proliferação tumoral (Ki67 <20% vs >20%).

- A associação de painéis genéticos e dados clínicos-patológicos na definição de prognóstico não é novidade na oncologia. Diversos testes estão comercialmente disponíveis para auxiliar a decisão de tratamento em casos com neoplasia de mama, cólon, próstata. A partir desses testes, tem sido possível evitar a exposição desnecessária a terapias tóxicas em um grande número de casos. O estudo de Assié e colaboradores abre uma perspectiva semelhante para os pacientes diagnosticados com carcinoma adrenocortical. Existem, entretanto, limitações para o uso disseminado desse painel. Primeiramente, o painel de melhor performance, denominado painel 3-D, utiliza dados de expressão gênica, sendo necessário uso de amostras tumorais congeladas ou parafinadas com métodos que limitem a degradação de RNA. Técnicas de extração de RNA de blocos de parafina tradicionais existem, porém com menor nível de qualidade do material obtido. Além disso, o longo tempo de recrutamento necessário para se atingir o número expressivo de casos estudados fez com que fatores clínicos e patológicos tenham sido analisados com técnicas muito distintas, em parte já não utilizadas nos dias atuais. Por último, a validação prospectiva do painel apresentado é uma tarefa complexa, principalmente quando recordamos que até o momento apenas um estudo clínico prospectivo e randomizado foi publicado até o momento.
 
 

Editor:
Dr. João Evangelista Bezerra Neto

Oncologista Clínico do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, Doutor em Ciências Médicas pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Membro da SBOC.

 

Revisora:
Dra. Adriana Hepner
Membro da SBOC; Oncologista Clínica pelo Hospital Sírio Libanês; Médica do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP). Atualmente, participa como fellow clínica do Programa de Oncologia Cutânea do Melanoma Institute Australia, em Sydney.