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SBOC REVIEW

Ressecção do tumor primário combinado a quimioterapia versus quimioterapia isolada em pacientes com câncer colorretal assintomáticos e com metástases sincrônicas irressecáveis (JCOG 1007; iPACS): um estudo clínico randomizado

Resumo do artigo:

Neste estudo fase III, conduzido em 38 centros pelo grupo japonês de câncer colorretal, pacientes com diagnóstico de câncer colorretal (CCR) com tumor primário assintomático e metástases sincrônicas irressecáveis foram randomizados 1:1 para: resseção do tumor primário (RTP) seguido de quimioterapia (QT) versus quimioterapia (QT) isolada.

Foram considerados elegíveis os pacientes com idade entre 20-74 anos com câncer de cólon, retossigmóide ou reto alto e até 3 sítios metastáticos (fígado, pulmão, linfonodos não regionais ou peritônio). Aqueles randomizados para o braço de QT isolada iniciavam tratamento em até 14 dias com esquema FOLFOX ou CAPOX associado a bevacizumabe. No braço de cirurgia seguida de QT, a RTP era realizada em até 21 dias e a QT era iniciada entre 8-56 dias após a cirurgia, com os mesmos esquemas citados anteriormente.

O desfecho primário do estudo foi sobrevida global (SG), na população por intenção de tratamento, tendo como desfechos secundários: sobrevida livre de progressão (SLP), eventos adversos (EA), proporção de pacientes submetidos a ressecção R0 e cirurgia paliativa. O estudo foi desenhado para confirmar a superioridade da estratégia cirúrgica seguida de QT em comparação com QT isolada. Inicialmente, o tamanho da amostra foi estimado em 770 pacientes, considerando um poder de 75% para detectar uma diferença de 4 meses em SG a favor da RTP associada a QT (de 20 para 24 meses). Devido ao processo lento de recrutamento, os autores realizaram revisão do tamanho amostral para 280 pacientes a fim de demonstrar um ganho clinicamente mais relevante de 8 meses em sobrevida (de 24 para 32 meses), com redução do poder do estudo de 75% para 70% para detectar uma razão de risco (HR) de 0,75 em SG (teste unicaudado).

O estudo incluiu 165 pacientes entre junho de 2012 a setembro de 2019, com 84 pacientes randomizados para o braço de RTP combinada a QT e 81 pacientes para o de QT isolada. A amostra apresentava características bem balanceadas entre os grupos e era composta, majoritariamente, por pacientes com câncer em cólon e retossigmóide (93%) e com metástases irressecáveis localizadas em fígado (73%).

A primeira análise interina pré-planejada ocorreu quando 160 pacientes tinham sido incluídos, com seguimento mediano de 22 meses. A partir dessa análise, o comitê de segurança recomendou a interrupção do estudo devido evidência clara de futilidade, já que não se demonstrava benefício em sobrevida global com a estratégia de RTP combinada a QT (SG mediana de 25,9 meses) em comparação com QT apenas (SG mediana de 26,7 meses), com HR de 1,10 (IC 95% 0,76-1,59; p=0,69). Outros desfechos também não apresentaram benefício. A SLP mediana atingiu 10,4 meses no grupo submetido a ressecção cirúrgica e 12,1 meses no grupo de QT (HR 1,12; IC 0,81-1,55; p=0,48). Em atualização dos dados, a SG em 3 anos foi de 32,9% versus 33,0%, favorecendo QT isolada.

Eventos adversos maiores que grau 2 relacionados a cirurgia (morbidade pós-operatória precoce) ocorreram em 29 (38%) dos 77 pacientes submetidos a RTP e 3 pacientes (4%) foram a óbito após procedimento cirúrgico, sendo 2 relacionados a cirurgia em si (tromboembolismo e falência múltipla de órgãos). Das toxicidades quimio-relacionadas não hematológicas, a frequência de eventos maiores que grau 2 (87% x 77%) e maiores que grau 3 (48% x 34%) foi maior no grupo submetido a RTP versus QT isolada, respectivamente.

 

Kanemitsu Y. et al. J Clin Oncol. 2021 Apr 1;39(10):1098-1107. Primary Tumor Resection Plus Chemotherapy Versus Chemotherapy Alone for Colorectal Cancer Patients with Asymptomatic, Synchronous Unresectable Metastases (JCOG1007; iPACS): A Randomized Clinical Trial. doi: 10.1200/JCO.20.02447.
Ressecção do tumor primário combinado a quimioterapia versus quimioterapia isolada em pacientes com câncer colorretal assintomáticos e com metástases sincrônicas irressecáveis (JCOG 1007; iPACS): um estudo clínico randomizado.

 

Comentário da avaliadora científica:

O papel da RTP em pacientes assintomáticos com CCR metastático é um tópico em aberto na oncologia gastrointestinal. Estudos prévios apontavam potencial benefício na RTP, porém faltavam dados mais robustos para melhor avaliação dessa estratégia. Nesse cenário, o estudo iPACS (JCOG1007), conduzido pelo Dr. Kanemitsu e colegas fornece, até então, a melhor evidência para este debate, demonstrando que a RTP seguida de QT não se traduziu em melhora de sobrevida global nos pacientes com CCR estádio IV assintomáticos. O estudo ainda demonstrou que a RTP não apenas atrasou o início de QT sistêmica bem como aumentou o risco de complicações e mortalidade. Frente a tal perspectiva, os resultados parecem ter impacto na prática clínica, auxiliando na consolidação de estratégia poupadora de cirurgia do tumor primário em pacientes assintomáticos com CCR metastático.

Cabem algumas críticas, no campo estatístico deste trial, considerando as revisões em relação ao tamanho amostral e poder do estudo que foram feitas ao longo do trabalho em consequência do recrutamento lento e avanços na terapia sistêmica desde o início de inclusão de pacientes em 2012. Porém, também vale o destaque para o desafio de conduzir um estudo que inclui alocação aleatória para cirurgia versus nenhuma cirurgia.

Há ainda outros estudos clínicos randomizados em andamento dedicados a esta questão (SYNCHRONOUS e CAIRO4, por exemplo) e que podem nos ajudar a selecionar, por exemplo, quais pacientes beneficiam-se de ressecções cirúrgicas, sejam elas em intenção curativa, paliativa, upfront ou após período de quimioterapia, assim como melhor entender o impacto dessas estratégias na qualidade de vida dos nossos pacientes.

 

Avaliadora científica:

Dra. Tabatha Nakakogue Dallagnol
Residência em Oncologia Clínica pelo Hospital Erasto Gaertner
Oncologista Clínica no Hospital Erasto Gaertner e Instituto de Oncologia do Paraná (IOP)
Pesquisadora Clínica no Centro de Projeto de Ensino e Pesquisa do Hospital Erasto Gaertner; Mestranda pela Universidade Federal do Paraná